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[draft] CAPÍTULO I - Não Conheci o Outro Mundo Por Querer!

Foto do escritor: PriscaPrisca

Atualizado: 9 de jun. de 2020

Foi como dar um passo em falso na escada. A sensação de queda e terror irrompem pelo corpo todo, fazendo reflexos gritarem pra que se agarre a qualquer coisa, qualquer lugar e então ... passa. O susto termina e já se pode seguir com seu rumo.


Exceto que, naquela hora, quando Gisele caiu... a sensação não passou.

Ela prolongou... mas não havia no que se agarrar.

Ela piorou... não havia mais um lugar... apenas a queda.


Então finalmente parou. E Gisele percebeu que, pelo menos... havia alguém.


.

.

.


Quando a sensação de queda passou, devolvendo um pouco de força, Gisele abriu os olhos e se deparou, não com o teto de seu quarto... Nem com o azul acinzentado do céu ao meio dia na pracinha do Super... mas com um vasto e alaranjado céu ao entardecer. Ao invés do topo de prédios e postes de concreto, sua visão periférica estava cercada de grama alta, verde, árvores...


“Ah, droga...”


Devagar e dolorida, ela se levanta e olha ao redor. O mundo à sua volta era apenas a campina, o pôr do sol e aquele rapaz estranho de longos cabelos negros... desacordado e sangrando.


Vaagos flashes de memória atacaram sua mente.


“Ahhh... drogaaa!”


Por um minuto inteiro, só ficou ali em pé. Parada. A pele, agora cheia de arranhões e cortes, arrepiava com a brisa fresca carregada daquele cheiro típico de mato, mas sem o gostinho de poluição grudando no fundo da garganta... O único som era o do vento mexendo a grama e sua respiração arritmada. Era até bonito. Era refrescante... Mas absolutamente surreal.


Ok... hora de acessar sua mente atrás de algo útil... A jovem respirou fundo, seu coração martelando contra o peito com tamanha insistência que não conseguia tirar a mão sem achar que ele ia arrombar as costelas. Gisele procurou se concentrar em seus próprios pensamentos, sondando seu interior em busca de respostas...


E só encontrou gritos.


"Nope! Num vai dar... não faz sentido!" viu que sua mala de treino também estava ali! A jovem tratou de abri-la e, pra seu alívio, encontrou seu uniforme e os lanches que trouxera do trabalho. Havia também os remédios que ele tentara roubar da farmácia...


Se eu imaginasse que ia dar nisso... pensava consigo, teria aceitado passar pano no chão.


Mas não. Gisele o viu catando caixas de analgésicos, tentando enfiá-los apressado na bolsa e chamou a tia. Quando a mais velha e o segurança o abordaram e ele capotou de febre ali mesmo, acabou qualquer resquício de normalidade... porque se havia um protocolo de como lidar com furtadores feridos e desfalecidos, ninguém sabia qual era, nem onde estava. Até dava tempo de procurar; o Samu não é exatamente conhecido por seu atendimento rápido...


Ela lembrou, com muito desgosto, que chegou a ter a opção de pegar um rodo pra limpar o chão ensanguentado ou ligar pra emergência. Mas Gisele odiava passar pano no chão...


E pra qual dos cinco funcionários, e meia dúzia de clientes cercando o tratante sobrou a tarefa de seguir as instruções de socorro do atendente? Pra Gisele. A pessoa que estava com o socorro na linha, claro!


Sair desse ponto pra aceitar acompanhá-lo até o hospital e ver se conseguiam entrar em contato com algum familiar foi esperado. Mas daí serem atacados por um ogro vermelho e acordar em um local completamente diferente de onde estava sendo um pouquinho demais pra seu cérebro processar... Burra!


No chão, o rapaz soltou chiado baixo e dolorido... Aquele longo cabelo tipo 1C, liso, grosso e escuro, mas brilhoso de uma forma que coloração alisamento ou selagem alguma conseguia imitar estava agora embolado em pó da terra, suor e sangue seco. No pardo rosto uma expressão de dor. As faixas que cobriam o torso também estavam cobertas de sangue... Mas esse estava fresco. Aquele corte que haviam tratado no hospital com tanto custo devia ter reaberto.


Gisele tentou engolir, mas não havia mais saliva. Retirou seu casaco e pegou sua mala. Por bem ou por mal... ela pelo menos tinha alguma noção do que podia fazer.


Tinha uma troca de ataduras, soro e analgésicos... Não tinha luvas. Quando se ajoelhou perto dele, o cheiro revirou seu estômago. Agradeceu por estarem ao ar livre e abriu o primeiro pacote de gaze. Parou. Tentar limpar aquilo ali chão... não seria meio anti-higiênico?


Olhou em volta. Há poucos metros de distância, encontrou o que pareciam ser resquícios de uma cabana. Parecia vazia... mas também bem acabadinha. A brisa havia esfriado, atravessando janelas e vãos da estrutura com uivos solitários. Ao dar um passo em direção à porta, uma tábua rangeu sob seu pé. Havia um odor de quarto velho e barata. que a faziam lembrar do depósito do Super ou a área de serviço da casa de sua avó... Olhando pra trás, o céu ia rapidamente perdendo brilho alaranjado. Não levaria meia hora pra estarem cercados de breu...

Entre a terra quente, mas seca e o bafo frio e abandonado da cabana, ela escolheu o primeiro.


Voltou a se ajoelhar perto. Com cuidado, e um bocado de dificuldade, Gisele conseguiu cortar e retirar as ataduras... Mas a visão daquele o longo e fundo corte que ia da parte de baixo do braço até pouco acima do umbigo a fez sua cabeça girar por um momento. Ela nunca fora do tipo de se importar com gore... fosse vendo filmes de terror, séries médicas ou até no dia-a-dia! No hospital mesmo, sua alegria e orgulho estava sendo observar todo o processo do médico suturando aquele mesmo machucado, trocando conversa com ele e as enfermeiras que o seguravam no lugar, enquanto Marcão e sua imensidão uniformizada fitava a parede parecendo precisar de um tempo. E ele era o segurança do mercado!


Mas aquilo... aquele cheiro... o brilho do visco enquanto continuava vazando para fora do corpo... A ausência de profissionais que sabiam o que faziam e até da possibilidade de chamar por alguém... Tornavam tudo muito diferente.


Gisele engoliu tentando empurrar aquele nó horroroso de volta pra dentro, pra depois, e desviou os olhos de volta pro rosto dele. O rapaz parecia ir e voltar à consciência. Se acordasse enquanto mexia no corte, ela estaria encrencada,


Limpa esse troço agora... ela pensava consigo. E depois... você pode focar em cuidar do cabelo dele... Que tal?


A ideia soava torta, mas lhe trazia conforto.


Lavou as mãos como pôde com água e um pouco de soro e começou a limpar o ferimento do jeito que vira a enfermeira fazer. Mesmo segurando a respiração, suas mãos tremiam e a cada pressionada que dava pra limpar, ele se mexia um pouco, provavelmente sentindo dor.


Foi mal amiguinho... ou faço rápido, ou faço delicado... e a luz do dia tá acabando, então...


Debilmente trocou as ataduras. Quando acabou, ela teve certeza de duas coisas: havia feito um trabalho não muito péssimo e o garoto ia acordar um tanto mais dolorido que o necessário.


Infelizmente seu prezado trato no cabelo teria que ficar pra depois. Não gostava nem um pouco da sensação de estar exposta.


Há poucos metros de distância, encontrou o que pareciam ser resquícios de uma cabana. Parecia vazia... mas também bem acabadinha. A brisa havia esfriado, atravessando janelas e vãos da estrutura com uivos solitários. Ao dar um passo em direção à porta, uma tábua rangeu sob seu pé. Havia um odor de quarto velho e barata. que a faziam lembrar do depósito do Super ou a área de serviço da casa de sua avó... Olhando pra trás, o céu ia rapidamente perdendo brilho alaranjado. Não levaria meia hora pra estarem cercados de breu.


Tá. E agora? Cabaninha macabra e escura... ou campina aberta... e escura.


E uma fogueira? Seu acervo mental de filmes e desenhos lhe prometiam que conseguiria sim, com certo grau de dificuldade, fazer uma fogueira... Mas garantir que essa fogueira no meio de um campo gramado e meio seco, com vento soprando, não viraria um incêndio era outros quinhentos...


À distância, carregada pela mesma brisa fria, veio o som de um longo urro.


Ah, que legal. Cabaninha macabra, aqui vamos nós!


Reunindo o pavor da solidão com o receio do frio, Gisele chutou a portinha de madeira velha empenada feito FBI. Só se tocou que poderia haver bichos dentro da cabana depois do chute, quando o barulho e o estrago espantaram de lá uma dezena de coisas tão apavoradas quanto ela própria... Umas correram pro mato, saltando por cima do rapaz capotado de desaparecendo na grama alta enquanto outras saíram voando, sua alma fugindo com elas.


E todo esse susto pra que? Pra ela desistir de entrar assim que o cheiro de ninho velho pôde atingi-la diretamente... Não tinha a menor chance de conseguir dormir num lugar desses...


Mas ter sobrevivido ao susto lhe dera um pouco de força... e dar um chutão na porta também não foi ruim. Gisele se virou pra onde estava o garoto e aquele pouquinho de força foi imediatamente embora.


Tinha um bicho em cima dele.


Não era grande. Mas era comprido. E tinha muitas patas. Mais de quatro. E antenas. Mais ou menos quatro. A criatura erguia o corpo debilmente, parecendo desnorteada.


Gisele quis morrer...


Sentiu suas pernas ficando bambas, dedos gelados, tremendo... Não podia gritar, não queria esperar a coisa decidir sair sozinha... Definitivamente não queria encostar naquilo. O que podia fazer??


Ela viu a tábua de madeira solta sob seu pé, um olho na tábua, outro na lacraia.e o cutucou a madeira com cuidado, pra ter certeza que não encontraria um bicho escondido ali também.


Se abaixou e pegou a madeira. Devagar, um passo de cada vez, ela se aproximou do rapaz... felizmente, a lacraia não parecia ágil... Ela posicionou a ponta da tábua no abdome dele, chegando o mais perto possível enquanto os dedos se mantinham o mais longe na outra extremidade. Quando a lacraia posicionou algumas das várias patas sobre a tábua, Gisele só fez uma arrancada, jogando ambas madeira e bicho o mais longe que pôde no mato.


Com isso caiu sentada no chão, esgotada. Era ali mesmo que ficaria, até o ser humano acordar. Não daria mais um passo por conta própria. Pegou sua mala e a abraçou. Pelos rasgos da calça de seu uniforme do super, o vendo fazia sua pele ralada se arrepiar dolorida. Pendurou a alça da mala no ombro e girou-a para as costas. Agradeceu mentalmente por ter trazido seu casaco mais acolchoado e enfiou as pernas pra dentro dele, esperando que, pelo menos psicologicamente, funcionasse como um cobertor anti-pesadelos.


Amanhã... vai ser melhor. De duas uma... ou posso acordar em casa e perceber que isso é só um pesadelo... Ou vou acordar aqui...mas vai ser de dia! E quando ele acordar... vou enchê-lo de perguntas. Não vou estar sozinha


Imaginou o que faria se acordasse só pra encontrá-lo morto e empurrou o pensamento pro fundo, junto de todo o resto.


Por favor... Não quero ficar sozinha.


 

O forte cheiro do capim e de terra foi trazendo-o de volta em curtas e pesarosas ondas de consciência. Sua boca estava seca e amarga e Kurang sentia uma pungente dor na lateral esquerda lançando tremores pro resto de seu corpo. Desistiu de acordar e imergiu.


A sensação de flutuar não era ruim... mas conforme aprofundava, ela se intensificava, o sufoco e aprisionamento o faziam querer desesperadamente acordar... mas toda vez que conseguia se forçar a abrir os olhos o que via só o fazia pensar que talvez, estar inconsciente não fosse o pior afinal.


Então lembrou de Zupay... e lembrou que ainda sentia dor... ainda sentia medo e pavor... e que estava vulnerável. Ao invés de perder a consciência calma e pacificamente, ele podia muito bem simplesmente ser atacado e sofrer terrivelmente antes de morrer... o que não era ideal.


Decidiu acordar. Com bastante esforço, conseguiu mover o torso e se sentar. Tudo doía. Seus braços, suas costas, até mesmo seu couro cabeludo doía. Uma vez mais, o Kurang esfrega os olhos secos, a imagem turva demorando pra firmar. Estava com frio e faminto. Mas a ferida estava limpa e protegida.


De repente, seu braço foi agarrado, fazendo o pouco da força quase se dissipar e sua mente voltar à escuridão.


"Você tá vivo!" murmurou a bolota de roupa, baixo e urgente.


Infelizmente. A visão daquela garota contorcida dentro da própria roupa feito uma huaca mallqui agasalhada era perturbadora e um grave lembrete de que ele havia falhado. De novo.


Voltar pra casa sozinho teria sido terrivelmente frustrante. Voltar pra casa com alguém de fora... não só era patético... era perigoso.


Essa era a sua vida. Tentar corrigir um problema... só pra se deparar com outro.


A garota continuava segurando seu braço e parecia fazer um monte de perguntas com uma expressão de desespero que o deixava exausto só de olhar. Quando finalmente reconheceu o rosto, a lembrança do ataque de Zupay, da queda, ele se sobressaltou.


"Você!""Que dia é hoje?"


“Oxi" ela interrompe a tagarelice "E como que eu vou saber?”


Esquecera o nome. Ele fica cutucando a própria palma repetidas vezes, do jeito que faria pra mexer na ferramenta.

“O treco! Olha no seu treco!”


"O trec.... Ah! O celular? Desliguei. Preciso poupar bateria." "Mas ontem cinco de fevereiro.”


“Tem certeza?”

“Tenho bastante certeza...” era uma data bem significativa pra ela. “Mas vai saber se o dia lá é igual aqui...”

“É praticamente igual.” afirmou. Seu suspiro saiu com um misto de aliviado e frustração.


Menos mal. Mas ainda era cedo pra relaxar. Sua cabeça girava e sentia o corpo pesado e dolorido. Fome. Ele pára pra sentir o vazio no estômago e a dor na lateral do corpo.


Mais uma vez, ela segura seu braço, inundando seus ouvidos com barulhos desagradáveis de perguntas e fazendo-o sentir saudade de flutuar em inconsciência.


"Vamos fazer um acordo..." propôs, tentando soltar a mãos dela de seu braço, com pouco sucesso. Aquela menina parecia ter dedos mais firmes que os de uma preguiça. "Foca em sobreviver primeiro. Surtar depois..."


Por um santo segundo, ela parou de fazer barulho de pergunta. Mas me segundo seguinte, seu cenho franziu, ofendido.


"Garoto..." ela começou, em tom finalmente baixo, mas ameaçador. Se tinha dificuldades de soltar a mão dela antes, agora tinha dificuldades em sentir o sangue correr pelo braço. "Eu fiquei cuidando de ti e desse machucado horroroso... Eu fiquei a noite em claro checando de minuto em minuto se vossa graciosidade tá respirando, se está com febre e você vem me dizer, PRA MIM, que EU preciso focar em SOBREVIVER?! PERDEU O JUÍZO?!" e todo o resto voltou a ser barulho indistinguível. Agora em gritos!


Ele foi sentindo sua força interna se dissipando... fosse pela febre, pelo veneno de Zupay ou tudo junto, não sabia dizer... Ele apenas se sentou, apoiando a testa na mão livre, pronto pra esperar que a fome ou uma fera viesse e acabasse com tudo. Mas graças ao Alto, assim que sentou, ela parou de brigar. Soltou seu braço e fez alguma pergunta, num tom mais gentil e correu pra bolsa, voltando com suco de caixinha e um pacote de batatas.


Era a primeira coisa boa que havia visto desde que acordara.


"Tem mais?" perguntou. A mistura de sangue com o sabor terrivelmente adocicado do suco e nada parecido com o da fruta ilustrado na caixa era igualmente ruim e reconfortante.


"Só um pouco." ela respondeu dando tapinhas provavelmente bem intencionados em suas costas, os quais ele teve a cautela de não recusar. Felizmente parou pra trazer a mala pra mostrar o que tinham. Seu Ânimo imediatamente diminuiu. Aquilo mal duraria pra um dia,.. Dois no máximo, se estivesse sozinho.


Precisava se curar primeiro. Comida de seu mundo era abundante, especialmente nessa época, mas... se comesse dali... A menina se sentou à sua frente, chacoalhando a caixinha, pronta pra beber. Antes que fosse tarde, ele conseguiu segurar o topo da caixa, impedindo-a de furar com o canudo.


"Ei!"


"O que quer em troca disso?"


"Como assim?" ela olha pro suco e pro salgado "Você quer de outro sabor?"


"Quero tudo de comer. O quer comer em troca?" "Tem cambucis, mamão... Talvez até mandioca, se procurarmos com calma."


"Tem algo de carne...?"


Sentiu seu rosto se contorcendo em desgosto. Não conseguira nem se soltar dela quando tentou, certamente não estava em condições de caçar. Pior ainda... depois de dois anos... será que ainda sabia caçar?? A campina devia estar vazia por uns anos... era um bom momento para montar arapucas. Era o que tentaria fazer.


Soltou a caixa de suco e estendeu a palma.


"Carne em troca dos seus pacotes."


A garota segurou sua mão e sacudiu, selando o acordo. Mas não soltou de imediato.


"Seu nome... como era?”


“Kurang." ele disse, e começou a a levantar.

"Gisele. Mas chama de Gisa." ela finalmente soltou sua mão. Então limpa a garganta e pergunta "Deixa cuidar do seu cabelo depois?"


Só assentiu lenta e automaticamente, torcendo para que parasse de falar. O único foco era comer, dormir, e deixar o ferimento sarar. Todo o resto fica pra depois.


"Fica aí. Vou arranjar as coisas."


Ela não ficou. Se levantou num salto, recolheu a mala e começou a segui-lo, exatamente como não queria que fizesse.

revirou os olhos e ignorou. Estava doente demais pra se importar.


.

.

.


Gisele o segue. Agora que estava de dia, a sombria cabana não passava de uma casinha velha e solitária. O tal Kurang cambaleou até ela. Pensou em alertá-lo sobre bichos, mas antes que fizesse, ele pegou o pedaço de pau no chão e o usou pra empurrar os destroços sem entrar em contato.


E, quando via um inseto... o arremessava pra fora do caminho. Exatamente como ela fizera na noite anterior.


"Aha! Eu também fiz isso!" deixou escapar, num tom animado.


O olhar escuro, envolto de olheiras e completamente destituído de reação que recebeu podia ser descrito como cansado. Ele continuou cutucando e abrindo caminho até abrir um baú velho. Havia ferramentas.


O rapaz pegou uma foice... Gisele travou onde estava.


"Sabe usar isso?" perguntou, estendendo a ferramenta pelo cabo.


"Acho que sim..." não sabia. Era mais pesada do que parecia. Ele pegou uma vassoura e apontou pra fora, indicando que queria espaço pra sair.


Saindo da cabana, ele aponto pro alto e denso capim que rodeava a casinha.


"Abre caminho pra lá." ele diz, calmo, mas calmo mas esgotado. "Tenta não deixar isso escapar."


Desajeitadamente, Gisele começou a capinar... Era pesado e esquisito no começo, mas com mais alguns resmungos de instruções, ela começou a pegar o ritmo. Parecia que desbravava a mata por semanas... então, quando chegou a outro canto aberto e olhou pra trás, foi um tanto decepcionante perceber que seu avanço não tinha mais de quatro metros.


Ali, tão pertinho de onde se permitira dormir sentada... havia algo que só conhecia através de fotos de livros didáticos e passeios de escola...


Uma oca.


Eles entram. Era enorme e majestosa, mas abandonada. Luz passava por vãos no teto e nas paredes. Gisele ficou olhando e sentindo o quão grande era, enquanto o rapaz pegava os lanches e os guardava num cesto trançado. Depois, pegou a vassoura, e varria desanimadamente. Vendo-o o ali, como se portava... como ele falava... vendo como se comportava, uma estranha certeza se abateu sobre Gisele.


"Você é daqui..."


Kurang parou de varrer para encará-la. Sem dizer nada ele só ergue uma mão pro ar e a feição cansada adquiria uma pitada de irritação que beirava deslumbramento.


Não diga...


Gisele puxou ar, ofendida.


"Escuta aqui... depois que a gente é atacado por um demônio lacraia e acorda em um lugar completamente diferente, algumas coisas tendem a deixar de parecer óbvias, ok?!"


Kurang só soltou outro resmungo, e voltou a varrer. Mas Gisele só havia começado


"Afinal de contas, onde estamos..?"


"Japuí. À sul de São Gohayó."


"E onde fica São Gohayó?" antes que respondesse, ela lhe aponta um dedo ameaçador "Eu te juro, garoto, que se tu me responder 'a norte daqui' eu te-"


"Você está em Pindorama. Lugar das Palmeiras." "Que fica em Abya Yala. Terra que Floresce. Que fica em Awa... Que é um outro mundo. Diferente do seu."


Gisele sentiu seu dedo e sua raiva diminuindo.


Outro Mundo... Outro mundo?!


“Mais alguma dúvida?”


Ela estendeu a uma palma de aviso.


"Não fala comigo." ela pede. E depois de dar algumas voltas no mesmo lugar, ela volta a encará-lo e apontar. "Me dá isso aí."


Ele lhe estende a vassoura e ela começa a varrer pra desconcentrar, pelo que o rapaz ficou grato. Não retomaram o assunto pelo resto do dia.


Varreram. Kurang mostrou como concertar as paredes e usou umas redes rasgadas pra tapar os buracos mais críticos do teto. Depois pegaram dois cestos e saíram. Ele mostrou que frutos podia comer e que frutos não era boa ideia e voltaram. Enquanto ela descascava, o viu pegando arco e algumas sair.


"Demora muito pra se conseguir carne?" "Porque se demorar, eu fico só com as frutas mesmo..."


"Quer mudar o acordo?" ele pergunta, terminando de amarrar uma trouxinha nos ombros e se levantar com pesar.


"Não. Bom, não sei. É que você não parece bem pra algo pesado."


Ele parou pra ponderar.


"Vou montar armadilhas. Se não conseguir pegar algo, você pode pegar... metade do lanche. Feito?"


E lhe estendeu a mão. Gisele só podia imaginar que a outra metade ele ganharia por causa das frutas... Era o que ela faria, pelo menos.


"Cara, deixa disso... se gosta tanto de salgadinho, eu te dou e fico só com as frutas mesmo..."


Os olhos dele se acenderam. A mão ficou ali, esperando ser chacoalhada.


"É um acordo?"


"Sim, ok..." Ela sacode a mão enquanto ele solta um categórico 'Feito.' "Nossa isso é que é gostar de salgadinho..."


"Odeio esses salgadinhos." ele diz "Só o cheiro me dá náuseas." Kurang pega as coisas e se prepara pra sair. "Vou lá. Não quebre o acordo."


E saiu.


"Oxi...!"


.

.


Quando o céu já era um manto negro salpicado de luz acima deles e a intensa fome reduzida à uma saudade de comer arroz com feijão ao invés de frutas... que Gisele abriu a boca pra dizer em tom baixo e desacreditado...


"Outro... Mundo..." a jovem deixou a cabeça pousar sobre os joelhos.


Talvez fosse porque sua vó morava no interior... mas fosse o que fosse, sentada ali, à luz do fogo, e das estrelas, o aroma da perra, do capim e das frutas, ela sentiu que não era tão estranho.


O rapaz lhe dirigiu um olhar breve, mas que não passou despercebido e voltou a comer os salgadinhos fazendo cara de nojo. Havia pego a caixinha de suco que tomava sem demonstrar interesse. Gisele tinha algumas perguntas. Muitas. Mas começaria pela que parecia ser a mais impossível de se descobrir sozinha.


"Você sabe voltar pro meu mundo, não sabe?"


Ele afirma com a cabeça.


"E você quer voltar..."


Novamente afirma com a cabeça. Mas, dessa vez ele levantou os olhos e a encarou de modo que lhe deu certeza.


"Por que você veio, digo... por que foi pra lá?"


Kurang limpou a boca com a parte de trás da mão, soltou um resmungo e ficou encarando-a, claramente decidindo se queria ou não responder a pergunta. Devia ter decidido que sim, porque logo depois se levantou e se sentou mais perto. Pegou um rolo e abriu, revelando um mapa.


"Sabe algo sobre a Terra Sem Mal?"


Ela sacode a cabeça, negativamente. Ele pareceu ter recebido a resposta que esperava.


"É uma lenda que provavelmente nasceu no seu mundo, mas ficou diferente depois de cair aqui..." ela abriu a boca pra perguntar oura coisa, mas ele a impediu "Independente disso... o que me interessou foi a ausência de um mal bem específico."


"Que seria...?"


“Magia...”


Gisele deixa escapar um riso e pede um segundo.


"Oh... é sério?"


“Sua Terra não tem magia. Nem feitiços ou maldições...”


“Olha... há controvérsias...”


“Não tem. Vivi lá por dois anos.”


“Ora, eu também! Por 19! Nós temos coisas sobrenaturais lá também!”


“Pois bem. Já viu um homem virar cão?”


"Uh... Não...”


“Viu uma serpente de fogo? Uma criança correr com pés virados pra trás?”

“Que é? Sítio do Pica-Pau Amarelo agora?” “Não, eu nunca vi criaturas, mas eu já ouvi em histórias... Quanto a parte de feitiços e maldições, com certeza tem... outras coisas...” afirmou, sem ter certeza.


"Garanto que é melhor do que aqui... Pelo menos pra mim."


Ela pausa. Uma parte sua estava satisfeita em descobrir que ele parecia ter tanto desejo de voltar quanto ela, Mas havia a outra parte... a que estava preocupada com todos os pequenos gestos estranhos, desconfiados e reclusos que ele lançava desde que se esbarraram no mercado.


“Desculpa perguntar, mas o que... é você?”


Ele levanta os olhos escuros da fogueira, mas não a encara.


“Humano. ”


Ah, tá... Finge que é verdade que eu finjo que acredito.


Ele olha pro foguinho mal aceso fazendo um monte de fumaça na saída da gruta... Ela devia ter feito com madeira úmida ou folhas, só assim pra estar fumeando tanto.

Esfregava o rosto e cutucava fogueira. Agora ela produzia mais luz e menos fumaça. Depois se levantou e foi até a rede que armaram.


“Meu corpo não ainda tá conseguindo se livrar do veneno." com alguma dificuldade, ele subiu na rede, "Se não melhorar até amanhecer... vou ter que comer algo daqui.”


"Opa, pera aí... vai dormir aqui? Assim?"


A luz da fogueira e a presença da oca podiam ser reconfortantes se comparadas ao mundo exterior puro e crú... mas a estrutura de capim e cheia de buracos estava longe de lhe parecer segura.


"Não vai chover hoje. Não tem problema."


“Mesmo assim, cara... Não seria bom um de nós ficar de vigia?”

“Sim.” e não fala mais, só se vira pra dormir.


“Legal... E se eu ouvir alguma coisa, faço o quê” “Grito...? Corro...? Luto...?”


“Sim.” ele repete. "Não vou pro sono fundo... só descansar um pouco. E você já fez isso até agora... Só mais um não vai..." bocejou "...te matar".


Ora... mas que folgado! Apesar de desacreditada, Gisele sorri. Pelo menos com esse mal ela


"Tá me devendo essa."


Gisele fica um bom tempo sentindo os arredores, ainda processando o que estava acontecendo. Ela abre sua mala, observando os poucos itens que trouxera. O uniforme do tempo de escola, que usava de roupa de treino... seu kit de banho, a sacola de lanche com o logo do mercado, uma bagunça nojenta de ataduras sujas de sangue e plásticos das embalagens na sacola da farmácia. Espalhados no interior sem ter como organizar, estavam as caixas de remédio. Por último, em uma bolsinha, que levava consigo na pausa do almoço... sua carteira e seu celular.


Não não estava desamparada. Na verdade, pra um dia, estava era bem equipada! Tenho os corujões do clube pra agradecer por isso.


Suspirou. Magia, hein...


Se for verdade... bom... Gisele fechou a mala e a levou consigo para a outra rede, abraçando-a feito um body pillow e observando o breu da entrada e sentindo o calor da fogueira forte e bem feita. Ela observa Kurang dormindo e decide deixar o resto pro momento seguinte. Já havia perdido o dia importante em casa... perder mais alguns não iam piorar sua vida. Mais um dia ou dois não teria problema. Gisele sempre foi de desaparecer depois de um desentendimento. Já ficou uma semana inteira sumida.


Era de conhecimento geral que, quando aprontava uma dessas, ela ia direto pra casa de uma prima ou da avó... sua mãe nem ligava pra confirmar, de tão habitual que era.


Ha! Quem diria que sua rebeldia infantil viria a ajudá-la numa hora dessas?


Talvez fosse o alívio ou a satisfação de ter agido com calma... Talvez por agora conseguir contemplar a ideia de um banho, ou ainda pelo fato de ter caído com alguém que conhece o lugar... De qualquer forma, já não se sentia tão apavorada. Ela pensa em checar o celular... Sua mãe não tinha ideia de onde estava. Mas decidiu deixá-lo desligado... pelo menos até encontrar algum lugar conectado.


E o caminho que ele traçou. divagava em lembranças de aventuras de livros e filmes. Ela ia ter algo bem daora pra contar pro irmão quando voltasse pra casa... Gisele se sente estranhamente animada. Ela está preparada pra uma aventura.

.

.


De manhã, Gisele acordou com um cheiro bom. Mas o cozinheiro com um humor do cão. Provavelmente porque não ficara vigiando no final das contas... Kurang havia feito uma fogueira e assava o que pareciam ser tatus. As ataduras estavam com uma mancha bem pequena. Ele parecia bem melhor e bem menos amigável. Mas não se importou.


Sua mente tinha outras coisas.


"Então... você sabe o que é um chuveiro."


O olhar que lhe lançou ia além de irritado.


"Não tem isso aqui. Só em Gohayó."


"Certo. E como se lavam... por aqui?" gesticulou pros arredores.


"Rio." ele lhe estendeu o que parecia ser uma gaiola de gravetos que ela deduziu ser uma armadilha. "Aproveita e leva isso. Amarra em algum lugar e põe na água"


"É seguro ir sozinha?"


"Não." soltou em tom óbvio e impaciente "Vai querer que eu vá junto?"


"Não."


"Ótimo."


Por outro lado...


"Mas ainda quero lavar seu cabelo."


A única resposta foi uma mão enxotando-a dali enquanto ele se concentrava em terminar de preparar a comida.


Estava frustrada. Queria muito se lavar e se livrar da sensação de podre... Mas não queria ir sozinha... e certamente não queria ir com ele. Mesmo que demonstrasse não viesse demonstrando más intenções, ela não confiava o suficiente pra tê-lo por perto numa situação dessas.


Mas se ficasse mais uma hora sem se lavar, ela sentia que desintegraria.


"Me vê algo pra me defender, pelo menos."


Outro gesto de enxotar, mas dessa vez na direção da oca. Se quisesse algo, ela que pegasse.


Gisele vai até o abrigo e observa suas opções expostas na parede. Era como vídeo game. Escudo... lança... ou uma clave? Certamente não conseguia usar arco e flecha...


Espera aí...


Gisele voltou pra fora


"Não tem medo que eu pegue uma arma e use contra você?"


"Porque você faria isso?"


"Sei lá... Podia tentar te forçar a me levar pra casa agora."


Kurang ri.


"Fala sério?" "Não. Não acredito que consigo me machucar de propósito... "


"Mas posso machucar sem querer..." ela responde num resmungo.


E ficaram se encarando. o rapaz pára, se levanta e pega o arco e a lança.


Agora tinha escudo e clava. E Kurang tinha arco e lança... Mesmo meio afastado, se ela gritasse precisando de ajuda, ele pelo menos estaria com arma em mãos, querendo ou não.


Caminhou pela vaga trilha que indicara, seguindo o som de rio. Quando chegou, a primeira coisa foi tirar o resto de suas tranças, aproveitando pra massagear bem delicadamnet seu dolorido couro cabeludo.


Bom... aqui vai um belo desperdício de tempo e dinheiro...


Guardou as extensões cerimonialmente em sua mala e pegou sua necessaire. Então parou.


Sabonete não achava problema, mas não seria muito ruim usar seu shampoo e condicionador ali no rio...? E se fosse, o que diabos ela usaria no lugar??


"Só dessa vez..."


Ela se lava no rio de roupa e tudo. Pegou o uniforme da escola que usava de treino, agradecendo por estar sol e agradável pra se usar short e camiseta. Observando a paisagem se perguntando que magia haveria por ali... Não havia nada de diferente do que encontraria num passeio por áreas naturais. Não sentia uma energia diferente, nem via cores estranhas. Tudo ali era tão normal...


Percebeu um sapo tranquilo sobre uma pedra do outro lado da margem.


"Bom dia..." diz e acena com a cabeça.


O sapo pára de coaxar para observá-la.


"Dia." o gamo responde. E volta a coaxar.


Ooooook... era o suficiente por hoje. Sua cota de sanidade estava cheia. Ela se levantou, pôs a roupa molhada na clave e seguiu de voltou pra oca. E, enquanto caminhava, uma linha de pensamentos se intrometia em sua paz.


Ele quer voltar pro mundo dela... Estava só esperando se recuperar...


E se... Kurang quisesse deixá-la pra trás?


A ideia passou só de leve, mas quando se deu conta, já estava correndo de volta pra oca.


Mas, chegando lá, ele estava no mesmo lugar, exatamente onde o deixara.


"Minha vez?"


.

.


Assim que a gordura do preá chiou sobre a fogueira, ele readquiriu uma expressão de dor.

Era como ver alguém que havia acabado de decidir ser vegetariano encurralado num churrasco.


"O que acontece se você comer algo daqui?" ela pergunta. "Isso... afeta alguma coisa pra voltar?"


O olhar que lhe lançou foi preocupante... Mas ele recusou com a cabeça.

"Mais ou menos..." "Não vai ser problema pra você, se é o que te preocupa."


Era exatamente o que preocupava Gisele. Apesar de grata, estava bem cansada daquela insistência dele em lhe contar o mínimo possível... Não gostava da ideia de depender dele pra voltar... talvez eles não tivessem a mesma urgência.




Decidiu ver o mapa pra manter sua mente acordada. Ela vê onde está a Vila dele;


"O portal."


Ela vê que os nomes são diferentes, mas familiares... se parasse pra lembrar das aulas de geografia, o portal estaria... estaria....


"Ô, Kurang... tá acordado?"


"Hm."


Gisele mostra o mapa e aponta pra Bolívia.


"Esse portal aqui... é pra onde?"


Ele a encara novamente com escuros olhos cansados, como se cada pergunta dela lhe tirasse cinco anos de vida. Mas Gisele estava inquieta demais pra se importar.


"Pro seu mundo."


"E... só tem esse?"


"Claro que não." ele resmunga. Então aponta pra uma região que ela reconhece como sendo Paraguai. Gisele arregalou os olhos. “Três Kandu é o mais próximo. Mas ele não funcionou pra mim da última vez. Pode ter sido por não sou nativo de lá... Depois de dois anos vivendo e me alimentando, pode ser que agora funcione."


Por isso ele queria os salgadinhos?


"Se não funcionar..." a mão foi até bem mais longe, naquele cantinho que ela sabia pertencer aos andes. “Foi esse que eu usei. Se funcionou pra mim, dificilmente não vai funcionar pra você.”


"E... quanto tempo até chegar no mais próximo..."


"A pé?..." ele pára pra lembrar. "Uns três meses. Um ano pra chegar vivo até o outro."


Apesar de continuar falando, ela não ouvia mais nada. Gisele esfregou todo o rosto desacreditada começando a passar mal. Ela se senta por um segundo sentindo dificuldade pra respirar. Kurang a observa sem dizer nada.


“Pera, pera, pára.... Me dá um minuto.” o rapaz só soltou outro longo suspiro cansado e voltou a se deitar.

Gisele foi até sua mala e enfia sua cara ali por um longo tempo. Ela levanta, esfrega o rosto de novo e respira fundo. Um dia ou dois, tudo bem... mas meses... Não... não podia ser.


"Mas eu... Não tem um jeito mais rápido?! U-uma jóia mágica, uma águia gigante u-um carro... sei lá!"


"Esse é o jeito rápido. O portal pra subir fica aqui no topo. Carros não conseguem subir."


"Sim, mas então dá pra pegar uma carona até a base...!"


"De novo... Três meses é contando com uma carona. Andando demoraria ainda mais"


Era impressão dela ou tava tudo girando? Gisele se sentou no chão e se concentrou no ar que entrava e saia dos pulmões.


"Mas chegamos aqui em minutos!! Por que vai demorar tanto pra voltar??"


"Cair é rápido. Escalar é lento." ele diz, dando de ombros. "Meu mundo está embaixo e o seu está em cima. É só o que dá pra explicar." Kurang resmunga e se vira pra ir dormir, deixando-a só com seus pensamentos.


"Ninguém sabe que eu to aqui..."


Provavelmente sequer imaginavam que ali existia!


Gisele sente um nó na garganta e o segura. Ela tenta pensar positivo... não estava sozinha. o garoto sabia ir pro seu mundo, até o conhecera lá! o monstro não estava com eles e não ia machucar sua família... isso que importava.


Vai ficar tudo bem. Você vai voltar pra casa. E quando chegar... vai contar... que escapou de um sequestro, sei lá e que está tudo bem... Vai ser só um susto.


Ela liga seu celular e como esperado, não encontra qualquer sinal. checa o celular uma última vez...

"Desculpa..."

"Vo me atrasar."


Gisele vê o horário dar 00:00, indicando a troca de dia Ela pensa no parque e promete a si mesma que vai encontrar o portal que tem daquele lado e enchê-lo de cimento, nem que seja a ultima coisa que vai fazer depois de voltar.


"Te amo."


A última coisa que viu antes do celular desligar foi Mensagem não enviada.



.

.



Ele que abra a boca pra ver se não reabro esse machucado.


Felizmente, não abriu. Havia caçado o bastante pra viajar. Ele morde uma fruta estranha e aponta pra duas pilhas.


“Esse é pra comer agora. Aquele é pra levar.” “Essa região inteira pertence à minha Vila natal. O assentamento principal fica uns 5 quilômetros daqui. Eu te mostro.”


Ela o observa improvisando uma trouxa com a capa e guardando os mantimentos, deixando alguns que seriam pra ela provavelmente.


“Tá.” “E até a Vila, é quanto tempo?”


Kurang a observa e continua falando.


“Três dias de caminhada. Depois são três meses em peabiru até o Mercado.”


“Peabiru?”


“Mato Amassado. É a trilha principal que ligam os povos do litoral com os do interior. Mas não é tudo. Chegando lá precisa de outro mapa lá pra conseguir escalar a montanha. E provavelmente formar um bando”


Gisele pensa num jogo de RPG. mas nem isso a anima. Só queria acelerar o processo o máximo possível.


“É muito difícil formar um bando?”


“Formar não. Tem todo tipo de gente no mercado precisando de algum tipo de ajuda." Enquanto explica sobre as classes e profissões, e as compara com o mundo dela, ele parece mais alegre. "Mas manter é quase impossível. A maioria se junta e vai se desmanchando em questão de um dia. É por isso que eu prefiro ir sozinho. “a verdade, eu recomendo que você encontre alguns membros em São Vanuíre mesmo. Todo dia tem gente precisando viajar pro Mercado. Mas você tem que ter algo pra oferecer... Dinheiro, habilidade, recursos... ”


“Se não só vira peso morto”


“Exatamente.”


Kurang enrola o mapa Ele parece estar se preparando pra algo muito difícil


“Esse pedaço de papel pintado me custou três moedas de prata...” depois de um longo suspiro, dá o mapa nas mãos de Gisa. Ela o puxa, mas ele não solta.


“Grava o nome que eu vou te dizer e não esquece. --.”


“--” Ela o recebe sentiu que estavam progredindo.


Até ele apontar a direção e continuar.


“Sim. Ele vai te ajudar por lá.” ele pega a mala dela e coloca no ombro “Boa sorte.” e se vira pra ir pro lado oposto.


“Pera aí, o quê? Eu num sei nem onde eu tô e você acha que vou sair pra outro lugar? Sozinha?! Você falou que me mostraria a Vila!”


“E mostrei.” e aponta pro mapa. “Isso aqui é o pagamento. De nada!”


O medo de Gisele se transforma em indignação no instante que ele faz menção de pegar a mala dela.


Gisele pergunta onde ele pretendia ir ao invés de deixá-la na Vila.


Ele demora pra responder.


“Vou descobrir se Zupay está de volta ou se continua no seu mundo... Se estiver de volta, acho que vou tentar entrar em Ivi Marãei de novo. No entanto... se Zupay ainda estiver por lá...”


“Vai ter que tirá-lo...”


“Vou trancá-lo lá dentro.”


Gisele pára de andar.


“Como é...?”


“Eu agradeço por tudo... o que fez por mim. Mas tenho dois grandes problemas em minha vida...” Kurang conta vagamente o que foi fazer no mundo dela. Ivi Marañei, a terra sem mal. Ele conta que queria ir pra lá pra ver se sua maldição seria suspendida. “Eu eu vou me livrar de pelo menos um deles nessa jornada. Custe o que Custar.”


Gisele não havia conseguido um aliado. Havia conseguido um rival.


"Vai ser assim, então?!" "Pois muito bem!" Gisele pega sua mala, joga nos ombros e começa a caminhar.


“Onde você vai com isso?”


“Pra São Gohayó.”


“Metade.” novamente aquele tom de ordem.


“Oi...?”


Ele hesitou, mas não mudou o ton de ordem.


“Divide metade pra mim e metade pra você! Pelo menos isso...”


“Eu já dividi. Você tá literalmente usando a sua parte.”


“Mas eu posso precisar de mais!”


“E eu também, não é mesmo? Especialmente por não ser daqui.” Se encaram por um tempo “Passar bem.”

Gisele se vira pra ir embora. Ela olha pra trás e ele não está mais lá. Ela fica parada sozinha um tempo. Mapa em mãos e coração apertado. Ela olha pra estrada adiante e segue em frente.


Uns poucos passos depois e ela sente a bolsa sendo puxada. Gisa se assusta.. Kurang pega bolsa dela e põe a mala nos ombros. No susto, ela dá uma cotovelada em seu ferimento.


Ele pareceu querer ficar irritado, mas nem perto do quão irritada ela estava. Sua mente nomeava um por um tudo o que havia feito e passado até aquele momento. Tá vendo esse curativo? Eu que fiz. Tá reparando que a dor só veio depois que te soquei? ela mostra a caixa de remédio pra dor “Eu que te dei. Na verdade, desde a primeira vez que esbarrei contigo, eu só faço é te ajudar... Então, meu amigo, eu sinto muito....


Aquela foi a gota d'água.


Gisele enrosca a alça da mala em seu punho. Se quisesse tirar dela, que quebrasse seu braço. Mas quando abre a boca pra dar a ele uma dose de realidade... o nó se desmancha...


"Não... é justo..."


Tem alguma ideia... do que perdi...?


E tudo o que ela consegue fazer é chorar.


Kurang observa aquilo e se sente patético.


“Um dia.” “Pegar ou largar.”


“O que?”


“Um dia de caminhada até a Vila. em troca de metade das coisas. Se você conseguir caminhar bem pode ser que cheguemos à estrada da Vila nesse tempo. Se não...”


Gisele tenta falar, mas continua soluçando. Kurang fica sem graça esperando ela se acalmar. Depois é cada um por si."


"As pessoas de lá são..." balança a cabeça sem convicção "...são boas. Eu não me dei bem por coisas minhas... mas você não vai ter problemas lá. E eu sei de alguém que vai conseguir te ensinar a voltar em segurança... Eu... eu realmente não posso ajudar além disso.”


Ela suspira, meio satisfeita.


“Tá...” “Tá bom....” Ela concorda soluçando.


Eles apertam mãos novamente e seguem em frente a passos largos. limpa essa cara e vamos. Não podemos demorar.


Gisa reflete sobre a facilidade com a qual ele tirou sua bolsa e se pergunta o que seria dela se ele decidisse ter tomado sua bolsa à força... Ela reflete sobre o ditado "Antes só do que mau acompanhado."

Ela percebe que precisa decidir o que fazer.



 

*Não conheci o Outro Mundo por Querer - frase lema de cada episódio de Yu Yu Hakushou

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